AMoBici posicionou-se contra o aumento da tarifa de ônibus em Florianópolis

No dia 18 de dezembro, houve reunião do Conselho Municipal de Mobilidade Urbana (CONMURB) de Florianópolis, tendo como pauta a explicação e votação do cálculo da tarifa do transporte coletivo de Florianópolis. Até aquele momento, os conselheiros não tinham os dados dos componentes da revisão tarifária, de forma a prejudicar a avaliação pelas instituições que o constituem. Essas e outras questões foram levantadas no parecer da Associação Mobilidade por Bicicleta e Modos Sustentáveis (AMoBici), que pode ser conferido em PDF ou lido na íntegra abaixo.

O CONMURB, por 4×3, votou pela aceitação do cálculo tarifário, que previa um aumento na passagem de ônibus de até R$ 0,17. No entanto, na aplicação da política tarifária, a definição de fato, houve uma redução ou manutenção dos valores para a maioria das faixas de preço.

Parecer para o CONMURB
– Avaliação da tarifa do transporte coletivo –

A AMoBici – Associação Mobilidade por Bicicleta e Modos Sustentáveis tem como um de seus objetivos promover o uso da bicicleta e da sustentabilidade nas formas de deslocamento urbano. Vemos com responsabilidade a nossa participação como integrante do Conselho Municipal de Mobilidade Urbana (CONMURB).

É visível que houve melhorias no funcionamento do atual Conselho. Deixou-se se apreciar os recursos das multas de trânsito e pôde-se começar a falar em mobilidade urbana de fato. Alguns dos temas pelos quais nos manifestamos em carta a este Conselho ao longo dos últimos dois anos finalmente foram encarados de frente, dentre eles a qualificação dos conselheiros de mobilidade urbana para o cálculo da tarifa do transporte coletivo e o Plano Municipal de Mobilidade Urbana, que estava parado desde finais de 2015.

É nossa opinião que a Secretaria de Mobilidade e Planejamento Urbano da Prefeitura Municipal de Florianópolis agiu para beneficiar a mobilidade urbana sustentável através do Calçada Certa, +Pedal, +Pedestres e o planejamento da Ponte Viva para a reabertura da Velha Senhora, a Ponte Hercílio Luz, para as pessoas. Contudo ainda enxergamos muito trabalho relacionado à qualidade das obras e conectividade da malha cicloviária. Agradecemos o esforço visível este ano passado e olhando para frente esperamos poder contribuir com o trabalho da Secretaria de Mobilidade e Planejamento Urbano e deste Conselho.

O Conselho, instituído originalmente pela Lei Complementar nº 34/1999 e alterado pela Lei Complementar nº 606/2017, tem papel preponderante sobre a avaliação do reajuste da passagem de ônibus municipal. Está lá expresso claramente no inciso III do parágrafo 2º do art. 3º da Lei Complementar nº 34/199:

“§ 2º Compete ao Conselho Municipal de Mobilidade Urbana (CONMUB) [tsc]: […]
III – aprovar o reajuste tarifário e a revisão do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de prestação dos serviços de transporte coletivo de passageiros, executivo, especiais (turismo, fretamentos e escolar), marítimo, lacustre e individual por táxi[grifos nossos]

A Lei Orgânica de Florianópolis, em seu Título VI, quando aborda a Ordem Econômica, expressa:

“Art. 92 O Município, atendendo o seu interesse, organizará a ordem econômica, baseado no respeito e valorização do trabalho humano, conciliando a liberdade de iniciativa com os interesses da coletividade, tendo por fim assegurar a todos a existência digna e prevalência da solidariedade e justiça e social.”

Recai igualmente sobre o transporte coletivo:

“Art. 96 A execução de serviços públicos, sob competência municipal, será efetuada diretamente ou por delegação, sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação. […]
I – a qualidade do serviço prestado aos usuários;
II – política tarifária socialmente justa, que assegure aos usuários o direito de igualdade, melhoramento e a expansão de serviços, a justa remuneração do capital empregado e o equilíbrio econômico-financeiro do contrato.” 

Tendo em vista a suma importância do assunto, a AMoBici realizou, no dia 16 de dezembro do ano corrente, reunião ordinária do Conselho Deliberativo tendo como uma de suas pautas nosso posicionamento sobre o assunto.

O transporte é um Direito Social, assim descrito na Constituição da República Federativa do Brasil, em seu artigo 6º, após a Emenda Constitucional nº 90/2015. Está no mesmo rol de direitos que o direito à saúde, à educação, à alimentação e à moradia e deve ser tratado com a mesma seriedade.

E apesar das melhorias nas explicações sobre o cálculo tarifário, ainda tem-se que melhorar o repasse antecipado de informações para que uma análise adequada seja feita pelas associações que compõem o Conselho. A Lei Federal nº 12.527/2011 – Lei de Acesso à Informação garante o acesso a informações do poder público que afetem a coletividade. Apesar de as empresas de capital fechado terem a possibilidade de resguardarem informações financeiras estratégicas, os dados econômicos, societários, jurídicos, contábeis e fiscais das empresas concessionárias de serviços públicos, relevantes para a determinação dos preços das tarifas cobradas dos usuários, são informações de interesse público. Dessa forma, percebe-se a necessidade de ainda maior transparência sobre os dados que compõem o cálculo tarifário do transporte coletivo de Florianópolis. É necessário publicizar fluxo de caixa e investimentos capitais da concessão, bem como pesquisas de qualidade do serviço de ônibus e os indicadores dessa qualidade.

Sabemos que um declínio de renda e aumento de tarifa tende a reduzir o número de passageiros. E que um aumento de renda tende a aumentar a demanda. É impossível fazer gestão de uma concessão de mobilidade urbana e alcançar metas de viagens por transporte público sem apreciar as leis dos mercados. Deve ser providenciado – ou publicizado -, portanto, um estudo da capacidade de pagamento da população de Florianópolis, a fim de avaliar o impacto da variação do preço e da renda sobre o volume de passageiros pagantes transportados no sistema de ônibus.

Observamos que, nos últimos anos, houve diminuição do número de usuários do transporte coletivo municipal de Florianópolis. Apesar de a redução ser inferior ao de outras cidades, fica evidente o padrão de declínio. Isso, inevitavelmente, nos levará a um caos urbano ainda maior pela imobilidade. O município deve ter claro um plano de metas para aumento do número de usuários de transporte coletivo, sob o risco que seguir o atual círculo vicioso que compreende o aumento das tarifas seguido pela fuga dos usuários, gerando, consequentemente, um novo aumento nas passagens. Essas condições têm que ser alteradas e para isso um plano de metas é urgente.

Entendemos que a qualidade do transporte público (pontualidade, frequência de saídas, tempo de viagem, conforto e segurança) tem um peso grande na escolha do uso de transporte público ou individual. Para tanto, a Prefeitura deve se esforçar para criar faixas exclusivas aos ônibus, providenciar amplos bicicletários de qualidade nos terminais de ônibus, entre outras melhorias. Locais com faixas exclusivas já foram divulgados na imprensa, sem êxito atual, como nas pontes de acesso à Ilha e na BR-282/Via Expressa. Nesta última, o acostamento foi suprimido sob a alegação de nova faixa exclusiva para ônibus, o que não ocorreu até o dia de hoje. Outro trecho que nós, ciclistas, solicitamos que fosse transformado em corredor exclusivo foi a terceira faixa da SC-405, no Rio Tavares. A ineficiência da nova faixa para agregar novos passageiros ao transporte coletivo ficou evidente quando se comparava o número de ônibus que transitavam quando a era totalmente interrompida em um dos lados. Sem a preferência aos ônibus, não surpreendentemente passavam menos veículos de transporte coletivo quando as vias ficavam em sentido único enquanto o número de automóveis quadruplicava.

Compreendemos que o cálculo tarifário deve considerar o equilíbrio-econômico financeiro dos contratos. E apesar do avanço em relação à planilha do GEIPOT, usada anteriormente, novas ferramentas devem ser atreladas para avaliação do cômputo da tarifa, visando sempre a aumentar o número de passageiros e assegurar acessibilidade aos cidadãos. Devemos abusar de instrumentos de modelagem de dados, validando os modelos sempre que possível. Os custos das passagens, por exemplo, deveriam ser baseadas na capacidade de pagamento das pessoas que necessitam usar o transporte coletivo. Os fatores, condicionantes, usos e subsídios dessas pessoas podem ser modelados para se chegar ao melhor acordo socialmente e legalmente aceito. Sempre, claro, visando a trazer mais pessoas para o transporte coletivo. Essa modelagem deve incluir e prever, inclusive, mais linhas em regiões ainda carentes de seu direito ao transporte. Oferta gera demanda. E existem demandas que não estão contempladas com o transporte coletivo e que têm sido ocupadas por outros nichos, a exemplo das saídas de festividades noturnas.

Uma modelagem bem feita também pode evidenciar as reduções de gastos com manutenção e operação de frotas com as faixas exclusivas para ônibus, a exemplo de trabalho recente defendido por Victor Marques Caldeira para infraestrutura cicloviária.

A gestão de subsídios deve ser também melhor compreendida. Houve incremento de 15% para 17% de usuários subsidiados de 2017 para 2018 em relação ao total. Não que não defendamos subsídios ao transporte coletivo – muito longe disso! Junto com o caminhar e o pedalar, o transporte coletivo tem passado longe de receber o volume de investimentos e atenção que merece.

Por fim, cabe salientar que o contrato inicialmente firmado foi indevidamente alterado em alguns pontos e não acreditamos que tal medida tenha sido correta. Todos os ônibus de Florianópolis deveriam propiciar condições de acessibilidade. Reiteramos: todos! A substituição dessa condição mínima de dignidade a pessoas com deficiência por vans para o Programa Porta a Porta configura-se uma mudança indevida e que deveria, a priori, ter passado por este Conselho. Essa alteração dificultou inúmeras vidas e afastou ainda mais usuários com deficiência física do contato com as pessoas e lhes tirou opções fáceis de acesso. A eles também está garantido o direito constitucional ao transporte propagado pela nossa Constituição.

Situações dentro da legislação poderiam ser englobadas nessa revisão do equilíbrio econômico-financeiro. A Lei Complementar nº 654/2018, que prevê a implantação de bike racks nos ônibus pode ser adiantada em 15 anos, de forma a, aos poucos, englobar desde linhas troncais a coletoras. Outra questão que pode ser alterada é o período para análise dos dados, a fim de gerar menos açodamento na confecção do relatório final. Obter os dados em novembro, para compilar, apreciar e votar até dezembro para valer a partir de janeiro não é uma boa estratégia. O período de análise de dados pode ser antecipado em um mês ou ainda o período para apreciação poderia se estender por mais do que apenas 30 dias (18 dias este ano).

Ao final, cabe também relatar que é necessário se fazer uma gestão metropolitana do transporte coletivo, evitando sobreposição de linhas e dando maior eficácia ao deslocamento regional da Grande Florianópolis.

Considerando nosso papel como conselheiros de mobilidade urbana, tendo em vista essas exposições e considerações, a AMoBici declara seu posicionamento contrário ao aumento da tarifa de ônibus de Florianópolis.

Florianópolis, 18 de dezembro de 2019

CAROLINA CRISTINA GRIGGS
Conselheira Titular do CONMURB
Conselheira Fiscal da AMoBici

FABIANO FAGA PACHECO
Conselheiro Suplente do CONMURB
Diretor-Geral da AMoBici